segunda-feira, 11 de outubro de 2010

SÚMULA VINCULANTE Nº 25

SÚMULA VINCULANTE Nº 25

É ILÍCITA A PRISÃO CIVIL DE DEPOSITÁRIO INFIEL, QUALQUER QUE SEJA A MODALIDADE DO DEPÓSITO

Na sessão Plenária do dia 16.12.2009 (DOU de 23.12.2009, p. 1) o STF editou a seguinte Súmula Vinculante n. 25: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.

O que defendemos há anos (cf., por todos, MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Prisão civil por dívida e o Pacto de San José da Costa Rica: especial enfoque para os contratos de alienação fiduciária em garantia. Rio de Janeiro: Forense, 2002) foi finalmente sumulado pela Suprema Corte, com caráter vinculante à Administração Pública e ao Judiciário.

A referência legislativa da Súmula é: a) a Constituição Federal (art. 5º, § 2º); b) a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), art. 7º, § 7º; e c) o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11). Com a decisão proferida no RE 466.343-SP (03.12.08), que foi agora ratificada com a Súmula Vinculante n. 25, o Brasil ingressou, definitivamente, na “terceira onda” evolutiva do Estado, do Direito e da Justiça, que é a onda do internacionalismo (cf. GOMES, Luiz Flávio & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito supraconstitucional: do absolutismo ao Estado Constitucional e Humanista de Direito. São Paulo: RT, 2010 - no prelo) ou da pós-modernidade jurídica.

A prisão do depositário infiel é inconstitucional e inconvencional (de acordo com a Primeira Turma do STF – HC83.416-SP, rel. Cezar Peluso, j. 14.10.2003; no mesmo sentido: HC 90.172; veja também HC 92.566-9-SP). Mas foi no RE 466.343-SP, no entanto, que o Pleno do STF, por nove votos a zero, no dia 03.12.08, reconheceu a invalidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro. O fundamento jurídico invocado foi o Pacto de San Jose da Costa Rica (CADH, art. 7º, 7). É importante lembrar que o STF cancelou a Súmula 619, que dizia: “A prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constitui o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito”[1].

Se tivéssemos que enfocar a questão da prisão civil do depositário infiel desde a perspectiva isolada do Estado de direito da legalidade a conclusão seria outra: cabe tal prisão, porque muitas leis a preveem. No Estado de direito (puramente) constitucional também poderia ser imposta a prisão civil contra o depositário infiel, porque a CF brasileira a possibilita (CF, art. 5º, inc. LXVII)[2]. Já no Estado constitucional e humanista de direito, que é fruto da soma do direito constitucional mais o direito internacional (transnacional), a impossibilidade é mais do que manifesta (tal como reconheceu o STF). A Constituição brasileira prevê duas hipóteses de prisão civil: a do alimentante inadimplente e a do depositário infiel (CF, art. 5º, inc. LXVII). A legislação ordinária brasileira regulamentou (com base na CF) várias situações de prisão civil, ampliando bastante a locução “prisão do depositário infiel”. Essa ampliação excessiva sempre foi objeto de muitas críticas[3].

Incontáveis acórdãos do STJ reiteradamente negaram validade para a prisão do depositário no caso da alienação fiduciária (REsp 7.943-RS; REsp 2.320-RS etc.). No STF alguns votos vencidos (de Marco Aurélio, Rezek, Velloso, Pertence) não discrepavam do entendimento preponderante no STJ.

Mas o pensamento majoritário tradicional (legalista e positivista) no STF sempre foi no sentido da sua admissibilidade (baseando-se na sua jurisprudência clássica da paridade entre a lei ordinária e o tratado de direitos humanos – HC 80.004).

Um novo horizonte foi descortinado no dia 03.12.08 com o RE 466.343-SP: os nove votos proferidos reconheceram o fim dessa prisão civil (do depositário), pouco importando a natureza do depósito.

Seu relator (Min. Cezar Peluso) negou validade para a prisão do depositário infiel no caso da alienação fiduciária (porque a legislação respectiva conflita com a CF). O Min. Gilmar Mendes agregou outros dois fundamentos: considerando-se que a CADH só prevê a prisão civil por alimentos (art. 7º, n. 7), é certo que nossa legislação ordinária relacionada com o depositário infiel conflita com o teor normativo desse texto humanitário internacional. O conflito de uma norma ordinária (que está em posição inferior) com a CADH resolve-se pela invalidade da primeira. É o que ficou espelhado no voto do Min. Gilmar Mendes, que ainda mencionou o princípio da proporcionalidade como ulterior fundamento para não admitir a prisão de depositário infiel. No HC 90.172 (com votação unânime da Segunda Turma), o Min. Gilmar Mendes reiterou sua posição anterior.

No dia 12.03.08, em antológico voto, o Min. Celso de Mello (no Pleno do STF – HC 87.585-TO e RE 466.343-SP) reconhecia não a supralegalidade, sim, o valor constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos. Mas, no final, no dia 03.12.08, o STF pôs fim à prisão civil do depositário infiel no Brasil (admitindo majoritariamente a tese da supralegalidade dos tratados de direitos humanos, que retiram a validade de normas inferiores contrárias).

Em síntese: a nova postura jurisprudencial do STF finca suas raízes em novos tempos, em novos horizontes: a era da internacionalização dos direitos humanos já não pode ser (jurassicamente) ignorada. No Estado constitucional e humanista de direito não cabe prisão civil contra o depositário infiel, qualquer que seja esse depositário (judicial ou não). A única prisão civil admitida pelo direito internacional é a relacionada com alimentos. Conclusão: é a única que vale hoje no direito interno brasileiro (ou seja: a única que ainda faz parte do direito “vivente”). Seguindo a orientação firmada pelo STF, também o STJ (na mesma linha) já não está admitindo a prisão do depositário infiel (STJ, Corte Especial, REsp 914.253, recurso repetitivo, rel. Min. Luiz Fux, j. 02.12.09).

Notas de Rodapé

[1].V. HC 92566-9/SP, DJE 12.12.2008, divulgado em 11.12.2008.

[2].Cf. MENDES, Gilmar Ferreira et alii, Curso de Direito constitucional, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 642 e ss.

[3].Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira, Prisão civil por dívida e o Pacto de San José da Costa Rica: especial enfoque para os contratos de alienação fiduciária em garantia, Rio de Janeiro: Forense, 2002; MENDES, Gilmar Ferreira et alii, Curso de Direito constitucional, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 645 e ss.


Fonte:

GOMES, Luiz Flávio. Súmula Vinculante 25 do STF: Impossível a prisão civil do depositário infiel. Disponível em http://www.lfg.com.br - 17 de fevereiro de 2010.

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