sábado, 16 de outubro de 2010

A elisão fiscal à luz dos direitos brasileiro



Muito ainda se confunde quando se trata dos conceitos de elisão e evasão fiscal. Até mesmo na doutrina brasileira há enormes dissidências conceituais. A palavra evasão teve sua origem no latim e derivou dos termos "evasio" e "evasione" e sob o ponto de vista da lexicologia manteve similitude em seu significado.O Verbete elisão, segundo Aurélio Buarque de Hollanda (2), deriva do latim "elisione" e significa "o Ato ou efeito de elidir; eliminação, supressão".
Rubens Gomes de Souza (3) preceitua que o ponto no tempo em que o tributo se torna devido consiste no momento da ocorrência do fato imponível. Somente haverá dever tributário após este ponto, sendo que nunca ocorrerá antes. Este elemento subjetivo, de natureza temporal, seria o único apto a fundamentar um critério jurídico para se distinguir a elisão da evasão tributária.
Desta forma, ressalta o ilustre jurista que há "um roteiro simples e seguro para aplicar a solução a cada caso concreto:(a) se os atos praticados desde que, como foi dito, sejam objetivamente lícitos, são anteriores à ocorrência do fato gerador, a hipótese é de elisão; ao contrário: (b) se os atos praticados, ainda que objetivamente lícitos, são posteriores à ocorrência do fato gerador, a hipótese é de evasão; ou seja, o resultado (obtido ou não) de evitar, reduzir ou diferir o imposto, ainda que por atos objetivamente lícitos, será ilegítimo".
Carlos Vaz (4), após profundo estudo, as reuniu de acordo com a sua natureza, em dois grandes grupos ou modalidades, a saber:

a ) elisão tributária, a qual tem por objetivo evitar o aparecimento da obrigação tributária. São encontrados na doutrina inúmeros sinônimos para designar este instituto: economia de imposto, economia fiscal, poupança fiscal, elusão, evasão fiscal, evasão fiscal, evasão legítima, evasão lícita, evasão stricto sensu, evasão(propriamente dita), negócio fiscalmente menos oneroso, elisão induzida, permitida ou organizada pela lei, elisão resultante da lei, transação tributariamente favorecida e outros menos comuns.
b) evasão tributária é definida, segundo este autor, como sendo aquela modalidade, que é executada de forma dolosa, ilícita, intencional com o único objetivo de burlar o Fisco não cumprindo com o pagamento da obrigação tributária.
Inúmeros doutrinadores alemães preferem para a elisão fiscal a denominação de "economia fiscal" ou "poupança fiscal", que em sua língua eqüivale à terminologia "Steuerersparung".
O Professor Doutor Ricardo Lobo Torres, em uma de suas bem escritas obras – Curso de Direito Financeiro e Tributário, descreve que " problemas difíceis em direito tributário decorrem da definição do fato gerador... " e "... estão também ligadas à ocorrência do fato gerador:a evasão, a elisão, a sonegação e a fraude." Preleciona ainda a dificuldade semântica com relação a cada um desses conceitos em português e nos outros idiomas, além do questionamento sobre a licitude ou não dos institutos retrocitados. Define que "a evasão é a economia de imposto obtida ao se evitar a prática do ato ou o surgimento do fato jurídico ou da situação de direito suficientes à ocorrência do fato gerador tributário" e seria "sempre lícita, pois o contribuinte atua numa área não sujeita à incidência da norma impositiva". Por outra lado, ao tratar da elisão assevera que "é a economia de imposto obtida pela prática de um ato revestido de forma jurídica que não subsume na descrição abstrata da lei." e com relação à tese da ilicitude da elisão, conceito este atualmente em refluxo, e foi defendida pelos partidários da consideração econômica do fato gerador e da autonomia do direito tributário. (5)
Amilcar de A. Falcão, em sua obra Fato Gerador da Obrigação Tributária, prefere outra grafia para denominar a "economia fiscal" retrocitada, empregando o termo "Steuereinsparung". Este autor ainda trata a evasão tributária em sentido estrito, quando alude ao método de interpretação econômica, com o termo alemão "Steuerumgehung", isto é, pela adoção de uma forma jurídica anormal, atípica e inadequada, embora permitida pelo Direito Privado, para a consecução do resultado econômico que se tenha em vista concretizar. (6)
Geraldo Ataliba alude ao critério objetivo supracitado de Rubens Gomes de Souza e concorda com o fundamento no que pertine à distinção entre a elisão e a evasão fiscais. Contesta a opinião de Amilcar Falcão acerca da utilização da interpretação econômica para o fim de verificar o verdadeiro fato econômico realizado pelo sujeito passivo,nos casos de manipulação de formas jurídicas (fraude fiscal), pois afirma que não há a necessidade em se aludir a interpretação econômica para se atingir a essa finalidade, bastando apenas aplicar a teoria da fraude à lei. Conclui, portanto, que são dois os fundamentos que embasam essa assertiva: primeiro, a interpretação da hipótese de incidência é puramente jurídica; depois, um fato econômico deve ser interpretado economicamente e, assim, cotejado com a hipótese legal. Ressalva porém, que não podem ser usados critérios econômicos na exegese jurídica. (7)
Gilberto Ulhoa Canto defendia a posição de que a elisão fiscal possui como premissas genéricas a licitude e a legitimidade. Ainda mais, acrescenta que acredita ser adequada a compreensão do aspecto econômico do fato descrito na hipótese de incidência de imposto, apontando que a realidade econômica é pressuposto lógico relevante dos tributos mas apenas na medida em que tenha sido "juridicizada" pela lei, dado o princípio da legalidade. Não é viável, portanto buscar-se a realidade econômica subjacente à hipótese de incidência. (8)
Ruy Barbosa Nogueira, em inúmeras obras, cita a evasão legal, com referência ao direito norte-americano, como equivalente ao termo "tax planning" no qual o agente tem o direito de escolher legalmente as situações menos onerosas. (9)
Antônio Roberto Sampaio Dória, conceituado doutrinador em matéria tributária, destacam-se dois tipos de evasão fiscal: a evasão fiscal lato sensu e a stricto sensu. A primeira trata de "toda e qualquer ação ou omissão tendente a elidir, reduzir ou retardar o cumprimento de obrigação tributária"; a segunda, entende-se como sendo a elisão ou economia fiscal, na qual "o agente visa certo resultado econômico mas, para elidir ou minorar a obrigação fiscal que lhe está legalmente correlata, busca, por instrumentos sempre lícitos, outra forma de exteriorização daquele resultado dentro do feixe de alternativas válidas que a lei lhe ofereça, prevendo não raro, para fenômenos econômicos substancialmente análogos, regimes tributários diferentes, desde que diferentes as roupagens jurídicas que os revestem." Relata ainda que, a sinonímia adequada para os doutrinadores de língua espanhola para o termo elisão é "elusión" e, para os norte-americanos a chamam de "tax avoidance" ou apenas "avoidance". (10)
Diversos doutrinadores abordaram exaustivamente as modalidades possíveis de evasão fiscal e o insigne doutrinador supracitado, com fins propedêuticos, procurou classificar conceituando esses diversos tipos de evasão fiscal, propiciando portanto, um melhor entendimento e por fim, propôs uma fluxogramação de sua proposta. Dividiu a Evasão em Omissiva e Comissiva, destacando que a primeira poderia ser intencional ou não, e a segunda sempre intencional. Na Evasão Omissiva, subclassificou em Imprópria e por Inação. A Imprópria engloba a abstenção de incidência e a transferência econômica. A Evasão por Inação pode ser subdividida em intencional (onde destaca-se o instituto da sonegação fiscal) e na não intencional, que engloba a ignorância do dever fiscal.
Na Evasão Comissiva, predomina a ação voluntária e consciente do indivíduo tendente por meios ilícitos, eliminar, reduzir ou retardar o pagamento de tributo efetivamente devido, havendo a presença sempre da intencionalidade. Divide-se em Ilícita e Lícita. Na Evasão Ilícita atinge-se o resultado econômico colimado uma vez que o contribuinte se vale de artifício doloso para afastar a ocorrência do fato gerador. A Lícita, pelo contrário, o contribuinte procurará por processos lícitos afastar, reduzir ou retardar a ocorrência do fato gerador.
Hodiernamente, as definições e conceitos atribuídos por Sampaio Dória continuam sendo profundamente respeitados e seguidos por vários doutrinadores. A idéia pregada por este insigne doutrinador, fornece uma idéia completa de todo o comportamento fenomênico no caso concreto, dissecando as formas lícitas e ilícitas de burlar o fisco pelo não cumprimento da obrigação tributária. Considero a melhor caracterização do fenômeno visto de forma abrangente e sistêmica e que certa forma não destoa da realidade em comparação com outros direitos em nível mundi

As Normas Antielisivas Brasileiras
O combate a elisão fiscal tornou-se uma ordem mundial. Klaus Tipke, insigne doutrinador tributarista alemão, preleciona que "a elisão começa além da interpretação da lei, no campo da lacuna. Por isso a analogia, como meio de evitar os efeitos da elisão, é indispensável." (22)
A analogia deveria ser aplicada de forma que a solução mais correta a procura de clareza e segurança metodológica. Tipke ainda pregava que a segurança jurídica é a segurança da norma. (23)O doutrinador Ricardo Lobo Torres (24) reforça o argumento que "o contribuinte tem ampla liberdade para planejar seus negócios na busca do menor imposto, desde que mantenha nos limites da possibilidade expressiva da letra da lei, ou seja, que não cometa abuso de direito".
Diante das distorções da aplicação da analogia(gravosa), descambando para ilicitude é que levou os legisladores a tomar medidas enérgicas com fins de fechamento normativo através de normas antielisivas. Em âmbito internacional, o douto propedeuta Alberto Xavier assevera que para a elisão fiscal objetiva (25), que em 1934 este movimento retrocitado se iniciou autorizando a tributação das "foreign personal holding companies". Contudo, apenas em 1962 que o Congresso Americano regulamentou fortemente a utilização por parte dos cidadãos americanos de companhias de países de baixa tributação.
Esta tendência foi rapidamente alastrada e em 1972 surgiu na Alemanha a "Aussensteuergesetz inspirada pela legislação americana de 1962. em seguida, surgiram na França, Bélgica e Reino Unido as mesmas iniciativas.
A realidade da Itália de hoje mostra um cenário de Evasão fiscal muito séria e que assusta os membros do Executivo e do Legislativo italiano. Em um estudo da Universitá di Padova, dois juristas italianos Bernardi e Bernasconi (26) demonstraram que a elisão chega a 44 bilhões de liras para o Imposto sobre Valor Agregado(IVA), 11 bilhões para Imposto sobre o Lucro(IRPEG), 80 bilhões sobre o Imposto de Renda da pessoa física(IRPEF) e por fim, 40 bilhões sobre as contribuições sociais.
Ora, e no Brasil ? Pelo que se observa muito pouco avançamos. Entretanto, passemos a analisar à luz da boa doutrina e da jurisprudência as normas tributárias pátrias em vigor.
O Brasil, através da lei 9430/96, promoveu a incorporação das regras para determinação do preço de transferência foi dos mais relevantes. O fulcro da questão paira ao redor das discussões tributárias das empresas e dos fiscos, pois o controle implantado pela norma jurídica tem o objetivo precípuo de evitar a prática lesiva aos interesses nacionais da transferência de resultados para o exterior. Entrementes, as presunções relativas adotadas pela lei 9430/96, com relação a fixação da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica por exemplo, podem ser pontos de discordância entre o fisco e a empresa brasileira, uma vez que o fisco pode alegar subfaturamento ou superfaturamento em operação internacional.
Portanto, com base nesta legislação e nos aspectos supracitados poder-se-ia levar ao contencioso judicial seja pela presunção das margens de lucro ou seja pela inversão do ônus da prova.
João Dácio Rolim (27) defende a posição de que não há limites constitucionais claros e precisos tais como a capacidade contributiva, a expressa vedação ao confisco, o conceito de renda como acréscimo patrimonial e o conceito de lucro consagrado no direito privado, que não autoriza o legislador a tributar como renda o prejuízo, o lucro fictício e ilusório, o lucro presumido e não o real atingindo assim outras bases imponíveis, tal como o patrimônio".
Ora, a lei 9430/96, como iniciativa a frear a elisão fiscal é louvável, contudo em sua aplicação apresenta profundas vedações de ordem constitucional. Chega-se a tributar o lucro inexistente ou tributar em lucro econômico razoável ou bitributa-lo.
Quanto aos artigos 18 a 24 que tratam dos Preços de Transferência deste mesmo dispositivo, pode-se afirmar que as margens de lucro constituem uma presunção iuris tantum, isto é, admitem prova em contrário. Esta prova em contrário pode ser fundamentada nos princípios da capacidade contributiva, proibição expressa de vedação no confisco, o da livre iniciativa e da livre concorrência, entre outros.
Da mesma forma, Plínio J.Marafon (28) questiona a validade constitucional do art. 24, pois alega não pode haver tributação de renda, como acréscimo patrimonial, por presunção absoluta. Acrescenta ainda, de forma muito interessante:"A introdução legal dos chamados "tranfer pricing" no Brasil foi efetuada de forma empírica adotando-se fórmulas simplórias de custos agregados a margens de lucros, como se as demonstrações financeiras das empresas só contivessem esses dados. (...) Também há várias lacunas que, bem exploradas, permitem elidir o gravame fiscal sem grandes custos operacionais, novamente em virtude do primitivismo da legislação ora aprovada."
Recentemente o direito tributário pátrio incorporou modificação no art. 116 do CTN através da promulgação da Lei Complementar No. 104/2001 que adicionou parágrafo único a este artigo, a saber:
""Art. 116 -........ ..........................................................."
"Parágrafo único - A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária." (AC) "
Esta inserção configurou tipicamente no Código Tributário Nacional a possibilidade da autoridade fiscal desconsiderar atos ou negócios jurídicos com o único objetivo do cometimento da elisão fiscal, constituindo portanto, forma eficaz de combater o planejamento tributário praticado com abuso de forma ou de direito.
O Direito Comercial prega sua máxima através do brocardo jurídico "finis mercatorum est lucrum" e diante deste paradigma é que chega-se a finalidade de uma atividade empresarial é o lucro ficando o pagamento de tributo como conseqüência indesejável deste e a mera tentativa de se pagar menos tributo já constitui um "business purpose", ficando portanto, clara e evidente a vedação para a desconsideração do negócio pela autoridade administrativa fiscal.
O que resta pensar, é que pretende o legislador com a introdução desse novo dispositivo, com o parágrafo único do art. 116 do CTN, a incorporação ao ordenamento jurídico pátrio de mais uma nova norma antielisiva, com a capacidade de outorgar à autoridade administrativa fiscal plenos poderes para interpretar economicamente o fato gerador e por conseguinte, desconsiderar o ato ou negócio jurídico realizado pelo contribuinte na condição de ocorrer abuso de forma jurídica.
Apesar de efetuar a interpretação econômica de qualquer tipo de ato ou negócio jurídico negocial deverá acima de tudo o fisco respeitar o preceituado pelo art. 110 CTN que prega:
"Art. 110 - A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias."
Este alerta se dá com relação ao fato de que o respeito aos institutos do direito Privado deverá contecer e os princípios constitucionais tributários. Ademais, observa-se que o art. 116 CTN aplica-se à ato jurídico praticado após a ocorrência do fato gerador configurando aí então, a evasão fiscal contrariamente a configuração de elisão fiscal.
Outrossim, observa-se ainda que o combate à evasão fiscal empregando-se como hipóteses as permitidas no art. 149 CTN conforme mostrado a seguir, deixarão a desejar pois impende-se a necessidade de procedimentos específicos a serem adotados pela autoridade lançadora e que venha ser regulamentados por lei ordinária.
"Art. 149 - O lançamento e efetuado e revisto de oficio pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
Fonte: 
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2929